Algo que tem sido objeto de grande questionamento nas últimas semanas são os direitos das médicas residentes grávidas. Afinal, quais são os direitos das gestantes na residência médica? A Lei nº 14.151/21, que determina o afastamento das empregadas gestantes das atividades de trabalho presenciais durante a pandemia, pode aplicar na situação das residentes médicas?
Antes de responder essas perguntas, importante esclarecer que as médicas residentes têm direito à licença-maternidade, com o consequente salário-maternidade, no valor integral da bolsa, no prazo de 120 (cento e vinte) dias, podendo haver a sua prorrogação por mais 60 (sessenta) dias, caso haja o pedido da residente junto à instituição, sendo que o tempo de residência médica será prorrogado por prazo equivalente à duração do afastamento (art. 4º, § 2º, § 3º, § 4º, da Lei 6.932/81)
O valor do salário maternidade é o mesmo valor pago pela bolsa. Para que haja o direito a tal benefício, deve haver, no mínimo, 10 (dez) meses de contribuições ao INSS (período de carência – art. 25, III, 8.213/91), podendo a contagem ser iniciada antes do início da residência, caso a médica tenha algum vínculo anterior (seja trabalhista ou como prestador de serviços autônomos/contribuinte individual).
Portanto, caso haja a gravidez durante a residência médica, nos termos do art. 71 da Lei 8.213/91, haverá o direito ao salário-maternidade, durante 120 (cento e vinte) dias, com início no período entre 28 (vinte e oito) dias antes do parto e a data de ocorrência deste, o qual é pago diretamente pela previdência social (INSS), com possível prorrogação do prazo por mais 60 (sessenta dias).
Ocorre que, no dia 12 de maio de 2021, foi publicada a Lei nº 14.151/21, que dispõe sobre o afastamento da empregada gestante das atividades de trabalho presencial durante a emergência de saúde pública de importância nacional decorrente do novo coronavírus. Vejamos o seu teor da lei:
Art. 1º Durante a emergência de saúde pública de importância nacional decorrente do novo coronavírus, a empregada gestante deverá permanecer afastada das atividades de trabalho presencial, sem prejuízo de sua remuneração.
Parágrafo único. A empregada afastada nos termos do caput deste artigo ficará à disposição para exercer as atividades em seu domicílio, por meio de teletrabalho, trabalho remoto ou outra forma de trabalho a distância.
Assim, pergunta-se: a médica residente deverá ser afastada de suas funções durante a gestação?
Esta é uma importante questão. Como o direito não é uma ciência exata, podendo haver várias interpretações, é difícil dizer uma resposta assertiva, até porque, cada Juiz pode interpretar a lei de uma forma diferente.
Todavia, ao nosso ponto de vista, a resposta é NÃO.
A Lei nº 14.151/21 foi muito clara quando descreveu a palavra EMPREGADA. Ou seja, tal suspensão do trabalho deve ser somente para as empregas, que são regulamentadas pela CLT (Consolidação das Leis Trabalhistas), nos termos do art. 3º da CLT (Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário).
Entretanto, a médica residente não é empregada, não se aplicando as normas trabalhistas. O regime da residência médica é mais próximo do regime de Direito Administrativo, aplicado nas relações de servidor público. Assim, embora a médica residente não seja servidora pública de forma efetiva, as normas a serem aplicadas se aproximam mais dos servidores públicos (Lei 8.112/90) do que dos empregados (CLT).
Quanto às servidoras públicas, a Lei 8.112/90, em seu parágrafo único do art. 69 determina:
Art. 69. Haverá permanente controle da atividade de servidores em operações ou locais considerados penosos, insalubres ou perigosos.
Parágrafo único. A servidora gestante ou lactante será afastada, enquanto durar a gestação e a lactação, das operações e locais previstos neste artigo, exercendo suas atividades em local salubre e em serviço não penoso e não perigoso.
De tal maneira, a lei dos servidores públicos declara que a servidora gestante ou lactante deverá ser afastada das operações insalubres, trabalhando em local salubre. Caso isso não seja possível, deverá ser afastada do serviço enquanto durar a gestação e lactação, sem prejuízo da remuneração.
Vejamos interessante julgamento sobre o tema, pela 2ª Vara da Fazenda Pública do Distrito Federal (Processo 0704083-94.2020.8.07.0018), condenando o Distrito Federal em manter todos os salários e benefícios das servidoras enquanto estiverem gestantes e lactantes: <https://www.conjur.com.br/2020-out-19/servidoras-gestantes-garantem-recebimento-integral-verba-remun…>.
Assim, mesmo que se aplique a lei dos servidores públicos (Lei 8.122/90) ou a Lei das empregadas celetistas (Lei 14.151/2021), em hipótese alguma poderia haver a suspensão do pagamento da bolsa.
Portanto, mesmo que se aplicasse a Lei nº 14.151/21 esta foi muita claro quando declarou que tal suspensão não poderá gerar a suspensão do pagamento da remuneração, sendo a responsabilidade do pagamento do empregador.
No caso, se fosse aplicar esta lei na relação da residência médica, não poderia haver a suspensão dos pagamentos da bolsa, sendo a responsabilidade não do INSS, mas da instituição de saúde que está vinculada a médica. O INSS só iria pagar o salário maternidade (nos termos do art. 4º da Lei 6.932/81, combinado com o art. 71 da Lei 8.213/91) 28 (vinte e oito) dias antes do parto, no prazo total de 120 (cento e vinte) dias, prorrogáveis por mais 60 (sessenta).
Ao exposto, conclui-se que a Lei nº 14.151/21 não pode se aplicar às médicas residentes, pois estas não são empregadas, não havendo que se falar em suspensão da residência médica. Todavia, ainda que se aplique, em hipótese alguma poderá haver a suspensão do pagamento da bolsa, mesmo que não haja o cumprimento do período de carência por parte da médica residente (10 meses de contribuição da previdência social).
Fonte Bibliográfica:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del5452.htm
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6932.htm
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8112cons.htm
Luan Mazza – Advogado, inscrito na OAB/GO sob o nº 50.125, Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Goiás, Especialista em Ciências e Legislação do Trabalho (IPOG), Especialista em Direito Tributário (Verbo Jurídico Educacional), Pós-Graduando em Direito Médico e da Saúde (UniAmérica). Assessor Jurídico da Associação dos Médicos Residentes e Ex-Residentes do Estado de Goiás (AMRG).